Dramaturgia construída em processo colaborativo com os atores Allegra Cecarelli, Ana Julia Hammer, Ana Luiza Lito, Bruno Dubeux, Eduardo Parreira, Julia Mendes, Manuela do Monte, Pedro Casarin e Taísa Damus.

domingo, 8 de agosto de 2010

Um dia de Festa

CENA 1 – PEPÊ E MANU


MADRUGADA, PRESTES A AMANHECER, MANUELA ESTÁ NA PRAIA SENTADA DE FRENTE PARA O MAR. PEPÊ CHEGA COM UMA CERVEJA.


PEPÊ – O Mar é muito grande, né?


MANU – É muito louco isso aqui.


PEPÊ – Que é que você sente quando você olha pro mar, essa imensidão de água?


MANU – Já senti medo, já senti paz, hoje em dia eu lembro do meu irmão.


PEPÊ – Do seu irmão? Por quê?


MANU – O meu irmão surfava muito, pra caramba, um peixinho. Ele vivia no mar.


PEPÊ – Mas ele morreu?


MANU – Uhum.


PEPÊ – Sério? Caramba.


MANU – E ele queria ser cremado. Aí num fim de tarde, a gente reuniu a família e todos os amigos dele do surf, cada um pegou um pouco das cinzas na mão e jogou no mar. Eu morro de saudade dele. Foi lindo, lindo, lindo.


PEPÊ – Tem muito tempo?


MANU – Dois anos.


PEPÊ – Ele era mais novo ou mais velho?


MANU – Mais novo. Ele tinha dezoito anos.


SILÊNCIO


MANU – Daqui a pouco vai amanhecer.


PEPÊ - Você acredita em reencarnação? Você acha que seu irmão poderia reencarnar em alguém, sei lá, no seu filho por exemplo?


MANU – No meu filho? Nossa, ele já teve que me aturar como irmã, se ainda tivesse que me aturar como mãe é porque deve ter feito algo de muito errado nas últimas encarnações!


PEPÊ – E numa outra pessoa?


MANU – Ah.. eu não sei... as vezes as pessoas falam: ah, parece que eu te conheço de outra vida!


PEPÊ – Outro dia eu tava pensando nisso... mas pensa bem, a população ta aumentando a cada dia, né? O número de pessoas no planeta só cresce.


MANU – Mas ao mesmo tempo que cresce diminui, não? Tem gente que nasce e tem gente que morre.


PEPÊ – Mas nasce mais do que morre, tanto que na China as pessoas só podem ter um filho.


MANU – Sério? Que absurdo! E se a pessoa quiser ter dois?


PEPÊ – Pagam uma multa. Isso acontece desde 1980, você não era nem nascida ainda e isso já existia! Como que você não sabe disso?


MANU – Eu não sou chinesa, sou brasileira, não tenho que saber disso.


PEPÊ – Mas você vive no século XXI, nasceu num mundo em globalização.


MENU – Ah, bobinho, eu sabia disso, claro que eu sabia, tava só alimentando o papo.


PEPÊ –Ah, sabia sim...


MANU – Sabia sim!


PEPÊ – Sabia...


MANU – Claro que eu sabia! Todo mundo sabe disso.


PEPÊ - Ahn, ta bom, nãoo precisa ficar nervosa, não, eu acredito. Mas não perde o raciocínio, não, olha só : se o número de pessoas no planeta só cresce, como fica a alma nisso tudo?


MANU – Não entendi. Que é que você ta querendo dizer exatamente?


PEPÊ – Vamos supor que no ano 1 d.C. a população tivesse 5 pessoas e o tempo passou, certo? E a população cresceu, cresceu, cresceu e hoje, no ano de 2009 vamos supor que a população tenha 30 pessoas. Se cada um de nós tem uma alma e a população só cresce, então aquelas 5 almas do ano 1 d.C. tem que ter se dividido em 6 partes cada uma pra que hoje o mundo tenha essas 30 almas. Agora pensa que no ano 1 d.C. o mundo tinha cerca de 250 milhões de habitantes e hoje tem cerca de 6 bilhões de habitantes. Então, se a gente já não era nada diante dessa imensidão de água, agora a gente é só um fragmento de nada diante dessa imensidão de água.


MANU –Obrigada, viu. Tô super feliz agora que eu to me sentindo um fragmentinho insignificante.


PEPÊ – Calma, mas vai ver que as almas também fazem sexo...


MANU –Ahn? Imagina todas as almas indo pro motel! E nove meses depois tendo filhinhos.


PEPÊ – E dizem que no mundo espiritual tudo é tão lindo, as almas gêmeas devem se encontrar ter filhos perfeitos que quando entram na Terra são imediatamente corrompidos pela podridão humana.


MANU -Alma gêmea? Jura que você acredita em alma gêmea?


PEPÊ - Acredito em encontros mágicos sim. Mas se só tiver uma alma gêmea por pessoa na Terra, o numero de pessoas no planeta tem que ser par.


MANU – Nossa, pra você não existe metafísica né, existe a metamática: a existência minuciosamente calculada.


PEPÊ – Você não acredita em alma gêmea?


MANU – Acredito nos encontros também, mas acho que uma pessoa encontra outra e dura o tempo que tiver que durar, não que tipo: ah, é ele! E ele vai ser alma gêmea pra sempre, sabe?


PEPÊ (entrelinhas falando dos dois)– Mas aí não é alma gêmea, né? Porque alma gêmea é alma... por isso que é uma coisa que a gente não sabe explicar. Um dia a gente encontra um olhar e... e ali alguma coisa acontece.


MANU – Alguma coisa, é?


PEPÊ – É, que a gente não sabe explicar.


MANU – Você é ligado a alguma religião?


PEPÊ – Não... mas não sou ateu, mas eu ainda fico meio confuso sobre essa coisa de Deus, de outra vida e de morte.


MANU – Sabe que uma vez eu li uma reportagem super interessante numa revista que falava sobre como envelhecer e dava umas cinco dicas para envelhecer bem, ai uma era fazer atividades em grupo, a outra era fazer atividades que exercitem o pensamento e a memória, tipo palavra cruzada, a outra eu não me lembro e a última era nutrir qualquer espécie de fé. Interessante isso, né? Se você acredita que beber cerveja todo dia é sagrado...


PEPÊ – Isso faz você beber bem!


MANU (propondo um brinde) – A fé!


PEPÊ – A fé!


SILÊNCIO


PEPÊ – Tem um filme de dois desconhecidos, um americano e uma francesa. Esqueci o nome do filme agora... Acho que é “Antes do Amanhecer”, você já viu esse filme?


MANU – Antes do Amanhecer é agora.


PEPÊ (sorri)– Então a gente ta vivendo um romance. A história é de uma francesa e de um americano, eles estão num trem na Europa indo cada um pra um lugar e se conhecem ali no trem. Eles começam a conversar e papo vai, papo vem, eles decidem saltar em Viena e ficar o fim do dia até a manhã do dia seguinte lá. E enquanto eles andam pela cidade ele conversam, conversam, conversam, falam de tudo, dos sonhos, das decepções, dos amores e vão se apaixonando um pelo outro. Mas é uma merda porque depois cada um tem que seguir para o seu destino e a gente fica torcendo pra eles ficarem juntos.


MANU – Mas porque é que eles não ficam?


PEPÊ – Ele mora em Nova Iorque e ela em Paris. E eles são a alma gêmea um do outro! E eles não ficam juntos.


MANU – Nem em filme, esse negócio de amor... dura mais que uma noite.


PEPÊ – Mas no fim do filme eles marcam um encontro. Pra daqui a dez anos eles se encontrarem de novo.


MANU – Jura? Mas dez anos é muito tempo!


PEPÊ – Mas o diretor filmou, dez anos depois, um outro filme com os mesmos atores, só que em Paris.


MANU – Eu preciso ver isso! Você já viu?


PEPÊ – Antes do Amanhecer e dez anos depois Antes do Por do Sol. Não, não vi o segundo. A gente pode ver junto.


MANU – Mas eu tenho que ver o primeiro antes, aí daqui a dez anos a gente vê o outro!


PEPÊ – Então ta beleza. Ta marcado. Na minha casa ou na sua.


MANU – A gente se encontra aqui e decide. Qual o seu signo?


PEPÊ – Sagitário. E o seu?


MANU – Sagitário também!Que issoooooo! To Chocada! Dizem que o nosso signo é o melhor signo do mundo!


PEPÊ – Sério? Que bom.


MANU – Sério! Várias pessoas já me perguntaram: e aí qual o seu signo? Sagitário. Caramba, melhor signo! Será que o mesmo signo dá certo? Como chama esse negócio que vê se os signos combinam?


PEPÊ – Astrologia, não é?


MANU – Não, tem um nome... Ai, acho que eu vou fazer meu mapa astral amanhã!


PEPÊ – Também, vamo fazer junto?


MANU – Vamo!


PEPÊ – Amanhã!


MANU – Não daqui há dez anos!


OS DOIS RIEM


MANU – Fala um pouco do nosso signo?


PEPÊ – Não sei direito, sei que gosta de viajar, conhecer culturas, conhecimento. Você fala alguma outra língua?


MANU – Não, tenho até vergonha, sabia?


PEPÊ – Eu fico pensando em como a linguagem verbal foi inventada. A gente podia inventar uma língua nossa agora. Que é que você acha?


MANU – Sei lá. Tá.


PEPÊ – Rongotilabanegtô gabarfigonistalenica?


MANU - tegrofliteniso tangrilpsita


PEPÊ – Asconu templa panga ponga.


MANU – Marganes?


PEPÊ – Mangstoni pleuratoclis Meneu hoja cafrojuta gogu.


MANu – Martinuca nescalito hermeune quermanta


PEPÊ – Quebranca?


MANU – Você entendeu o que eu falei?


PEPÊ – Martinuc necalito hermenutzi escazinca


MANU – Não!!!! Sinistiziniquiquiri cinizi apastini camerini partinica sinzi Entendeu?


PEPÊ – Você disse que essa noite está linda e você ta adorando ta aqui e quer continuar não só do antes do amanhecer, mas até o por do sol.


MANU – Será que eu disse?


PEPÊ – Sabe o que disse?


MANU – Daqui a pouco o sol ta aí, né?


PEPÊ – Não. (curta pausa) Isso foi só o início.


MANU – Seu bobo.


PEPÊ – Daqui a pouco o sol ta aí. Aí eu te perguntei se no caso de você poder parar o tempo, se você pararia esse momento. Aí você disse que sim. E eu disse que então a gente podia viver esse amanhecer e depois antes do por do sol. Sem pensar no amanhã, no que pode acontecer. Um momento sem tempo. Só nós dois. E se daqui a dez anos, entre o seu olhar e o de qualquer outra pessoa, alguma coisa parecida com isso não tiver acontecido, você vai estar aqui de novo.


MANU – Mas daqui a dez anos eu posso estar no Japão e você...


PEPÊ – Mas isso que é legal, não saber. Cinco anos, então?


SILÊNCIO


MANU – Eu já não respondi que sim?


PEPÊ –Quebranca?


OS DOIS RIEM


PEPÊ - Então a gente tem que viver Antes do Por do Sol o que a gente tem pra viver hoje.


SILÊNCIO


PEPÊ – Tá combinado.


MANU – Tá.


OS DOIS FICAM SE OLHANDO


PEPÊ – Você tem um olhar forte, né...


MANU – Por que é que você teve que ir pra Pista 3, hein? Por que é que você não ficou hein casa?


SILÊNCIO


PEPÊ – Por que é que você foi parar na Pista 3, hein, Manu.


MANU – Por que é que você dança bem, hein?


OS DOIS RIEM


MANU – Vamo dançar?


PEPÊ - Vamo.


MANU –Então me tira pra dançar.


PEPÊ – Agora, na praia?


MANU – Ou daqui a cinco anos.


MANU E PEPÊ COMEÇAM A DANÇAR


MANU - Eu gosto quando faz firula... Sabe passinho de academia? É cafona mas eu adoro!


ELES DANÇAM FORRÓ ATÈ QUE O RITMO VAI FICANDO MAIS LENTO, ELES PARAM E MANU BEIJA PEPÊ.










CENA 2 – ALLEGRA E BRUNO


A CASA ESTÁ TODA BAGUNÇADA, BRUNO ESTÁ ANIMADO OUVINDO MÚSICA E BEBENDO UM VINHO NA PRÓPRIA GARRAFA ENQUANTO SE ARRUMA. ELE CANTAROLA A MÚSICA. ALLEGRA CHEGA E ELE NÃO VÊ. ELA OLHA O AMBIENTE E FICA ALI OLHANDO A ZONA QUE ESTÁ SEM ENTENDER EXATAMENTE O QUE ESTÁ HAVENDO. ELA pÁRA ATRÁS DE BRUNO NO EPELHO DE MODO QUE ELE POSSA ENXERGÁ-LA. ELE VIRA CONTENTE COMA CHEGADA DA NAMORADA E LHE DÁ UM BEIJO ENTUSIASMADO!


BRUNO – Oi meu amor!


ALLEGRA – Nossa... (referindo-se a bagunça)


BRUNO – Oi?


ALLEGRA – Comprei a manteiga que você pediu e o seu shampoo que também acabou.


BRUNO – O que?


ALLEGRA (reduz o volume do som) – Comprei a manteiga que você me pediu e o seu shampoo que também acabou. Já faz uma semana que você ta lavando o cabelo com sabonete.


BRUNO – Você não vai acreditar no que aconteceu hoje.


ALLEGRA - Deixa eu adivinhar... Você aproveitou sua folga tão rara pra dar uma festinha?


BRUNO – Não, só o Pepê e o Zeca que passaram aqui pra comemorar comigo. Você não vai acreditar! Senta aqui. ( coloca Allegra sentada) O Dr. Laaksonen chegou pra mim hoje, quando acabou a cirurgia e falou que assim que acabar minha residência, eu to contratado pra trabalhar com ele na clínica dele.


ALLEGRA (se esforçando para parabenizá-lo) – Ah, que legal...


BRUNO – Contrato, assim... prolongado!


ALLEGRA – Ah... Legal.


BRUNO – o primeiro salário de dez mil, no mínimo, por mês. Cada cirurgia ou extra que eu fizer vai ser um extra, extra, extra.


ALLEGRA – E aí você vai ganhar mais.


BRUNO – Isso!


BRUNO – Nós vamos ganhar mais, né?


ALLEGRA SE LEVANTA E COMEÇA A ARRUMAR O AMIBIENTE, DOBRAR ALGUMAS ROUPAS E PENDURAR ALGUMAS NO CABIDEIRO.


BRUNO – Porque você ta incluída nisso também! Eu tô com uns planos aí... pensei numas coisas.


ALLEGRA – Não sei como é que você consegue viver nessa zona.


BRUNO – Ele disse que eu devo começar logo, talvez na próxima semana já. No início vai ser um pouco complicado porque um dos médicos da equipe dele vai viajar, aí eu vou ter que cobrir esse médico além do que eu já estava fazendo, então pelo menos no próximo ano eu vou, vou ter que... sei lá, vai ser quase de domingo a domingo lá no hospital.


ALLEGRA – Uhum.


BRUNO – Mas vai ser por pouco tempo.


ALLEGRA – Uhum.


BRUNO –Ele falou que eu preciso dar uma força pra ele agora no início, quebrar esse galho...


ALLEGRA PEGA A GARRAFA DE VINHO NO CHÃO.


ALLEGRA (interrompe)– Esse é o vinho que eu te dei no nosso aniversário de namoro?


BRUNO – É. (pausa curta) Mas ele disse que depois a longo prazo vai ser tudo... vai ficar normal. Acho que vale a pena, né, que é que você acha?


ALLEGRA (enquanto arruma as coisas) – Acho que sim... você que sabe. Vai... é, vai ser bom pra você.


BRUNO – Você não ficou feliz com...


ALLEGRA (arrumando sem encará-lo) – Fiquei, fiquei.


BRUNO – Ficou, ficou.


ALLEGRA – Fiquei.


BRUNO – Ficou, ficou, é isso?


ALLEGRA – Não, fico feliz por você, Bruno, fico sim. Eu acho que... acho que...


BRUNO – Isso não significa nada pra você, não, Allegra?


ALLEGRA (em cima da fala dele) – Não, significa, significa! Significa sim, é... acho bom pra você.


BRUNO – Pra gente, né, eu acho... porque eu vim pra cá hoje Allegra, com a sensação de que eu to colocando pela primeira vez o meu pé num futuro que eu achei que tava longe. E esse futuro que eu projeto há tanto tempo inclui você. Não?


SILÊNCIO / ALLEGRA SENTA NO CHÃO


BRUNO – Amor... eu não to entendendo. Eu fiz alguma coisa agora, e isso?


ALLEGRA – Bruno, eu ontem... você tava se arrumando pra ir aonde?


BRUNO – Eu ia no Baixo Gávea tomar um chopp com o pessoal da residência.


ALLEGRA – Tá vendo, Bruno? Vinho com os amigos de infância, chopp com os amigos do trabalho...


BRUNO – Amor, você quer que eu me sinta culpado por comemorar a coisa que eu mais esperei nos últimos tempos?


ALLEGRA – Não, bruno, mas se você não constrói espaço pra mim no seu presente, como é que você acha que eu posso habitar algum lugar no seu futuro?


BRUNO – Você acha que eu não construo espaço pra você?


ALLEGRA – olha Bruno... eu não sei... eu ontem, ontem eu fiquei em casa... pensando, pensando, pensando... E... E aí? Onde que isso tudo vai dar?


BRUNO – Eu não to entendendo. Tanto tempo sonhando com o dia que isso fosse acontecer e agora que aconteceu... Eu achei que você fosse ficar feliz.


ALLEGRA – Eu fico feliz... Mas e aí? Já tem um tempo que eu tô pensando. Eu não sei se eu quero... continuar.


BRUNO – Continuar o quê?


ALLEGRA – Sei lá, as vezes eu acho que a gente se dá bem, claro que a gente se dá bem, mas... E aí eu fico sem saber, é óbvio que eu amo você, é óbvio que eu queria tá com você... mas eu não to feliz, Bruno. Eu não to feliz, já tem um tempo que eu não to feliz.


SILÊNCIO


ALLEGRA – Eu não sinto mais você gostando de mim, você me amando, eu não sinto, eu não sinto.


BRUNO – Eu não pensava que eu ia ouvir isso.


BRUNO ABRE A MOCHILA E TIRA MA CAIXINHA FEITA DE PAPEL


BRUNO – Hoje eu saí do hospital com uma sensação que eu nunca tinha sentido antes e... eu fiquei pensando que eu queria guardar aquela sensação até a hora de te encontrar, porque eu queria dividir com você aquilo. Aí, eu fiquei pensando como seria legal se a gente pudesse guardar as nossas sensações numa caixa e dar de presente pra alguém. Mas não dá. Mas aí eu pensei: não tem problema. Você lembra do dia que você me ensinou a fazer isso aqui? Passei na primeira papelaria que eu encontrei, comprei um monte de papel de carta das princesas da Disney que você ama e fiz a caixinha que você me ensinou. Tentei materializar o que eu tava sentindo e coloquei aqui dentro (aliança). Achei que você fosse gostar, mas agora eu não sei mais.


ALLEGRA – Ai... Bruno... isso tudo é lindo...mas eu... fico pensando no dia do nosso casamento. E fico me vendo linda, vestida de noiva, olhando pra você lá no altar... Lindo... Mas aí eu lembro de mim e da gente, e de ontem, e de hoje, da semana passada, e fico achando que a cada passo der eu vou ta me perguntando. Será que eu vou ser feliz? Eu amo ele, eu amo, amo muito, Bruno, mas será que a gente vai ter uma vida cheia brigas? Será que eu vou passar a vida arrumando a casa dele? Cuidando das coisas dele? Comprando a manteiga que acabou e ele me acordou as 5h30 da manhã pra dizer que não tinha mais? Será?


BRUNO – Eu acho que briga faz parte.


ALLEGRA – Faz parte... da menor parte, Bruno, da menor parte... É claro que eu esperei por isso, é claro que eu sempre quis. (se referindo as alianças que estão na caixinha em sua mão). Eu sempre esperei por essas alianças.


O TELEFONE DE BRUNO TOCA ENQUANTO ALLEGRA FALA


BRUNO – Só um minutinho, meu amor. Alô, oi. Não cara, vou me atrasar um pouco. Daqui a pouco eu to indo... não, eu tô indo, eu to indo. Eu to falando que eu vou, cara. Valeu, tchau.


ENQUANTO BRUNO FALA AO TELEFONE ALLEGRA COMEÇA A GAURDAR COISAS NA BOLSA PARA IR EMBORA.


ALLEGRA - Eu só tô tentando ser honesta com a gente. (Levantando)


BRUNO – Peraí.


ALLEGRA – Você não consegue perceber nem o que você acabou de fazer.


BRUNO – O Pepê tá tenso, terminou com a Ana Luiza.


ALLEGRA – Pelo visto o namoro do Pepê importa mais que o seu.


BRUNO – Não é nada disso.


ALLEGRA PEGA SUA BOLSA E LEVANTA. BRUNO PUXA ALLEGRA E A BEIJA.


BRUNO – Você quer que eu não vá?


ALLEGRA – Eu quero que você faça o que você escolheu.


BRUNO – Eu escolhi a gente.


ALLEGRA – Eu não sei, Bruno, eu realmente preciso pensar. Se cuida.






CENA 3 - ANA LUIZA E MANUELA


ANA LUIZA ESTÁ EM CASA ASSISTINDO UM FILME E TOMANDO LEITE COM CANELA NUMA CANECA.


MANU – Amiga, to entrando!!!


ANA LUIZA – Entra aí, deixei aberta pra isso.


MANU – Me dá um abraço. Ué? Mudou alguma coisa aqui? Parece que ta mais escuro, sei lá.


ANA LUIZA – Deve ser porque a luz ta apagada.


MANU – Acho que não tinha esse espelho. Nossa, que linda essa luminária! Então, amiga, o casamento é de dia, tem que ser um vestido claro. Mas será que vai ficar bom? Porque eu emagreci. E você, você engordou um pouquinho, né, amiga?


ANA LUIZA – Um pouco. Em que igreja vai ser o casamento?


MANU – Não vai ser numa igreja, não! Vai ser numa casa, Ana Luiza, ma-ra-vi-lho-sa! Não, casamento dos sonhos, a casa é linda, tem um jardim gigante, flores de todos os jeitos que você pode imaginar, uma luminárias, você precisa ver. Eu te mostro as fotos depois. E o vestido? O vestido é tudo. Um tomara-que –caia e uma saia de tule linda... Minha prima ta uma alegria só, né? Imagina que sonho? Casar com o cara da sua vida, num vestido lindo desse? E o Beto é apaixonado por ela, né? Aliás, aqueles dois, gente, são aquele tipo de casal que tem uma energia de casal né, que você vê já como uma entidade né? Tipo casal siamês. Mas sem a parte ruim daquele grude chato. Ai, eu já fico imaginando assim... ele lá no altar, esperando por ela, ela linda entrando, e entre o olhar dos dois todos os sonhos


ANA LUIZA - Eu e o Pepê terminamos.


MANU – É, eu sei...


ANA LUIZA – Ué, eu te contei?


MANU – Contou.


ANA LUIZA – Ai, e foi de um jeito tão... sei lá, eu não tava esperando.


MANU – É, a vida é mesmo imprevisível, né amiga, como se fosse uma sucessão de acasos. A gente é que fica tentando achar uma explicação, uma ligação pras coisas, mas no fundo a vida é isso mesmo, um acaso, outro acaso, outro acaso. Uns são mais previsíveis, mas as vezes você é atravessado por uma coisa assim... inesperada, totalmente, de repente, né?


ANA LUIZA – Do que é que você ta falando, Manu?


MANU - Você gosta do Pista 3?


ANA LUIZA – Nunca fui.


MANU – Nunca tinha também. Fui ontem, foi incrível, amiga, dancei horrores, até o creu eu dancei. Creeeeu, Creuuuuu (dança e ri). Dancei forró (canta e dança um forró)...Hum... Uma delícia!


ANA LUIZA – Nossa, foi bom mesmo.


MANU – Bom? Foi incrível!


ANA LUIZA – Você foi com o Leandro?


MANUELA FAZ QUE NÃO COM A CABEÇA


ANA LUIZA – Você foi sozinha?


MANU FAZ QUE SIM COM A CABEÇA


ANA LUIZA – O Leandro sabe?


MANUELA – Ai, pára de fazer pergunta difícil, Ana Luiza, deixa eu te contar o que interessa! Olha que louco: Eu cheguei lá no Pista 3, né, e eu fui sozinha. Saltei do taxi, e tinha um menino parado na porta e ele ficou me olhando. Eu entrei e percebi que ele entrou atrás. Aí me enfiei lá no meio da muvuca, já dançando, até porque, minha filha, quando você ta sozinha ou você chega chegando ou a multidão te engole, você míngua vira poeira cósmica invisível no planeta. Aí, enfim, não vi mais o menino. Lá pras três da manhã – você nunca foi lá, né? É assim, tem dois andares, só que entre os dois andares, tem um meio andar. Nesse meio ficam os banheiros e uma salinha com uns sofazinhos e uma janela que dá pro andar de baixo. Quando eu olho pra cima, dançando empolgadíssima eu vejo o menino lá da janela e olhando. Eu simplesmente parei, foi imediato, impensado. E fiquei olhando pra ele. E ele me olhando. E sabe quando você.


ANA LUIZA (interrompe)– Você viu o Pepe lá?


MANU – Não, por que, ele foi?


ANA LUIZA – Ele me disse que foi.


MANU – Acho que ele não foi não, hein!


ANA LUIZA – Sei lá, falei com ele rápido.


MANU – Vocês se falam?


ANA LUIZA- As vezes.


MANU – E você fica perguntando o que foi que ele fez, onde é que ele foi?


ANA LUIZA – As vezes.


MANU – Vai acabar ouvindo o que não quer. Mas relaxa que não é só você que é assim, não. O mundo ta cheio de gente assim, sabia, as pessoas ficam procurando, correndo atrás da verdade depois que encontram não sabem o que fazer com ela. Eu amiga, prefiro ficar com a minha verdade que é minha felicidade e pra mim isso ta óootimo, querer saber de outra coisa pra que? Então, esquece o Pepe, deixa eu te contar do meu menino. Aí, eu tava lá, né, olhando pra ele, ele olhando pra mim, eu olhando pra ele, ele olhando pra mim, eu olhando pra ele... De repente, alguém tocou no meu ombro, eu levei um susto. Era o garçom com o meu sex on the beach.


ANA LUIZA – ih, bebeu vodka é?


MANU – Bebi, fiquei louca. Mas quando eu olhei pra janela de novo, cadê o menino? Sumiu. Eu resolvi ir embora. Quando e tava chegando na porta, ele me agarrou por trás e disse: Eu não acredito que você ia embora sem dançar comigo! E eu disse pra ele: Eu não ia, eu vou. E ele: Não vai não, você já ta dançando. Ana, quando eu vi, eu já tava dançado com ele. Aquilo me deu um medo, eu simplesmente larguei o menino e sai, fui no banheiro e fiquei lá, de frente pro espelho me olhando.


ANA LUIZA – Pensando no Leandro?


MANU – Não, eu nem lembrei do Leandro, não senti a menor culpa. Fiquei pensando vou, não vou, vou não vou? E falei, Ah! Já to aqui, vou. Saí do banheiro e cadê o menino? Tinha sumido de novo. Procurei a boate toda, eu tava decida. Não achei(indignada), acredita? Aí brochei completamente resolvi ir embora.


ANA LUIZA (mostrando um vestido) – É mais ou menos isso que você quer?


MANu – É, mais ou menos. E é melhor sandália também do que sapato fechado. E pode ser rasteira, porque tem grama. Deixa eu terminar de contar, quando eu cheguei lá fora, ele estava lá, entrando no carro. Quando eu vi, meu coração disparou de uma forma... Eu fingi que não vi e chamei um taxi. Quando eu tava com a mão na maçaneta do taxi alguém me chamou: Manu!


ANA LUIZA – Mas peraí, você já conhecia ele?


MANU – Não .


ANA LUIZA – Então como que ele te chamou pelo nome?


MANU – Ele deve ter visto na entrada, quando eu tava preenchendo a cartela, a moça da porta pergunta. Aí eu olhei e ele disse: eu te deixo em casa. Eu fiquei paralisada. O motorista de taxi simplesmente foi. Me dá um gole?


ANA LUIZA –Tem mais lá dentro. Você não viu o Pepê lá?


MANU – Não, ele não foi. Só se ele tava invisível. Amiga, o menino me chamou pra ir pra Aldeia Velha com ele.


ANA LUIZA – O Pepê me levou pra Aldeia Velha uma vez.


MANU – O menino me levou pra praia, a gente passou a a madrugada toda conversando, olhando pro mar, falando da vida. A gente dançou na praia, viu o sol nascer, bebeu cerveja até as cinco da tarde! E o mais doido foi que as onze da noite, quando eu saltei daquele taxi e olhei pra ele eu senti, sabe?


ANA LUIZA – Nossa, expressionante!


MANU – Como que você sabe? E sabe o que a gente combinou? Que aconteça o que acontecer, daqui a 10 anos a gente vai se encontrar no mesmo lugar...


ANA LUIZA – Ah, Manuela, só faltava essa. Que história é essa Manuela? Você pode escrever um livro, fazer um filme, hein: praia, cinco horas da tarde, cerveja, encontro daqui a dez anos...


MANUELA - Não parece filme? Ai, Tô assim... quase apaixonada.


ANA LUIZA – Boto fé na história do filme, até porque, daqui a pouco você ta velha demais pra trabalhar como modelo né? Aí pronto, você já tem dois empregos, roteirista e atriz. Toda modelo não acaba virando atriz, então. Você é bem criativa, vai se dar bem.


MANU – Vicê tem um colar de pérolas?


ANA LUIZA – Não. Sabe como é que o Pepê terminou comigo?


MANU – Me dá um gole aí.


ANA LUIZA – Por telefone.


MANU – Nossa, o Leandro jamais faria isso comigo.


ANA LUIZA – E no dia que a gente tava faze ndo dois anos e cinco meses.


MANU – Dois anos e cinco meses?


ANA LUIZA - É.


MANU – Claro que não.


ANA LUIZA – Claro que sim.


MANU – Que isso, amiga, você ta viajando.


ANA LUIZA – Viajando ta você Manuela, quer saber melhor que eu do meu namoro?


MANU- Achei que tivesse menos.


ANA LUIZA – Não tem. E devia ter tido mais.


MANU – Sempre tem um que acaba assim, né?


ANA LUIZA – Assim como?


MANU – Com a ilusão de que não acabou.


ANA LUIZA – Mas não acabou.


MANU – Acabou sim.


ANA LUIZA – As coisas nunca acabam no the end.


MANU –The And, amiga (brincando). Ana, que é que você faria se tivesse no meu lugar?


ANA LUIZA – Eu não estaria no seu lugar. A diferença entre nós duas é que eu sei que a vida não é um filme, eu nunca acreditei em conto de fada, não acho que eu sou a Branca de Neve e nunca quis ser a Cinderela, nem Bela Adormecida.


MANU – Nossa, Ana Luiza, como seu término com o Pepê te deixou amarga! Olha, não fica assim, qualquer coisa, liga, ta?


ANA LUIZA – ligar pra que, Manu? Ligar pra que? Você veio aqui e não me deixou falar uma palavra, ficou falando o tempo inteiro, o meu menino, o meu menino, o meu menino! Você só se preocupa com você, Manuela, só que saber da sua felicidade, não foi isso que você falou? A sua verdade é que você está feliz, e o outro... o outro que se dane, né? Olhar pra tristeza do outro faz lembrar que no fundo você também é sozinha e que uma hora, essa ilusão que você criou aí, de que encontrou o que? A sua alma gêmea (ironia)... Essa ilusão vai se desfazer que nem fumaça no ar, e aí meu bem, o nome disso é desilusão. E isso, é uma verdade também, viu? Pode levar esse aí. Tá apertado em mim, não passa nem no quadril. E usa uma sapatilha porque de sandália rasteira você pode sujar o pé de terra. Além do que, sandália não combina com Cinderela.


SILÊNCIO


MANU – Sabe o que é que parece, Ana Luiza? Que você não viveu seu amor e então ninguém mais pode viver. Mas você viveu.


ANA LUIZA – Eu acho que você já falou o suficiente.


SILÊNCIO


ANA LUIZA - Pega esse vestido, essa sapatilha e vai lá, assistir aquela encenação toda. Sua prima vai dizer sim, o Beto também, um monte de gente na platéia vai chorar. É o tipo de espetáculo que funciona. Só que quando ele acaba, a platéia vai embora, você tira o figurino, desmonta o cenário e a ilusão vai toda embora... E aí você percebe que você é um ator ou qualquer outra coisa tão sem importância quanto, sozinho no meio do palco. O palco sem nada, seu parceiro de cena já foi embora, a platéia vazia e ninguém chorando junto com você.






CENA 4 - TAÍSA E JULIA


Taísa está preparando uma mesa de café da manhã com dois lugares: leite, nescau, duas canecas, dois pratos, um pode de cream cracker.


Julia entra de camiseta branca e calcinha de lateral grossa e começa a olhar o ambiente.


JULIA - Bom dia!


TAÍSA - Bom dia, amiga! dormiu bem?


julia está procurando algo


JULIA - Gente, cadê minha pachimina? (Acha no cabideiro) Ah, Tá aqui, achei. Taísa, tô super atrasada.


TAÍSA - Vai pra onde?


JULIA - Tenho ensaio agora. Estréia amanhã. E hoje eu saio do ensaio e vou direto tomar um chopp.


Julia se olha no espelho e começa a trocar de roupa. Coloca uma camiseta branca básica.


TAÍSA - Calma, amiga senta aqui, toma um café.


JULIA - Eu gosto de ser a primeira a chegar. Você pode prepara um Nescau pra mim?


TAÍSA - Claro, amiga (ainda preparando a mesa de café da manhã enquanto a amiga se arruma ao espelho).


JULIA - Já acordei bem, né?


TAÍSA (tentando prender o cabelo)- AMiga, fica só um segundo, vamo comer aqui rapidinho.


JULIA (soltando o cabelo)- Hum, meu cabelo tá oleoso! Vendo TAísa pelo espelho


EXperimenta prender meio rabo de cavalo.


TAÍSA - Me empresta esse elástico? Que hora você volta pra casa?


JULIA - HUm mais tarde, hoje tem um chopp com o pessoal da companhia.


TAÍSA - Ai, eu queria uma roupa diferente hoje... Você tem alguma coisa pra me emprestar? CAdê aquele seu cachecol?


JULIA - O cachecol? CAchecol vou usar hoje. TAnta cosia ra voc~e querer, vai querer logo o cachecol?


TAÍSA - Amiga, é que eu queria sair hoje.


JULIA - AMiga, quem vai sair hoje sou eu, você vai ficar aqui.


JUlia experimenta a pachimina de diversas formas de frente para o espelho


JULIA - Você acha que assim tá bom?


TAÍSA - Vai pra onde?


JULIA - Tomar um chopp, comemorar minha estréia!


TAÍSA - A estréia não é amanhã?


JULIA - E daí? Só porque a estréia é amanhã eu tenho que comemorar amanhã?


Taísa senta à mesa


JULIA - Você acha que assim eu tô com cara de estrela?


TAÍSA - Você já tá ótima, Julia.


JULIA - Sou a estrela do teatro, uau raum(faz para o espelho, com as mãos e vai até ele pegar algo na sua bolsa que está ao lado).






curto silêncio


TAÍSA - Julia, toma café aqui. Então, eu tava pensando em sair hoje, fazer alguma coisa.


JULIA (pegando um casaquinho)- SAir com quem? Com aqueles seus amigos que não tem muito o que falar da vida... ai que saco. Tem que andar comigo, né, Taísa, que sou bacana, divertida. Desde pequena que eu tenho esse jeitão de teatro,né? Pego fogo!


TAÍSA - Aham.


JULIA - Quer dizer, tenho, não, né, eu sou isso!


TAÍSA - Bom, eu vou passar na casa da Ana Ju hoje pra ajudar a arrumar as coisas delas e trazer pra cá.


JULIA - Ana Julia é mais bagunceira que eu, hein? Você vai ficar cheia de TOC com as coisas dela também? LAvou a louça pra cá, pendura não sei o quê pra lá...


Taísa experimenta colocar uma blusa sobre a roupa de JUlia e ela rejeita.


JULIA - Ai, peraí, isso é a sua roupa, né, Taísa, pelo amor de Deus, quem usa isso é você. E o Nescau, hein que eu pedi pra você fazer e até agora nada.


TAÍSA - É que eu não sei fazer do seu gosto, Julia. Você não vai sair comigo hoje?


JULIA - Taísa, que carência repentina é essa?


Julia experimenta um colar.


JULIA - GAnhei esse colar na primeira vez que eu subi no palco.


Taísa levanta, pega e experimenta em frente ao espelho.


JULIA - Não, espera, esse colar aí é meu! Coloca em mim.


Julia vira de costas e Taísa não coloca.


JULIA - Taísa!


TAísa se vira para colocar o colar em Julia


JULIA - Eu ganhei esse colar e um ursinho que vinha escrito assim: meu primeiro prêmio de teatro, eu tinha quatro anos. Tava assistindo uma "Cinderela" e teve um momento que os atores chamaram alguém pra ir no palco. Na mesma hora, eu saí correndo e subi no palco. Só que eu não tinha idéia do que fazer. Aí, quando eu olhei pra aquelas pessoas todas me olhando, eu inventei uma música sobre os preguinnhos que seguravam as toalhinhas. Todo mundo amou! Não é um máximo? NAscia ali, uma grande estrela de teatro. Ai, Taísa, peraí, não tá dando, né? (Referindo-se ao colar que Taísa ainda não conseguiu fechar)


TAÍSA - Minha mãe mandou um presente, acredita?






JULIA - Acho que vou colocar essa outra calça aqui. (veste uma calça de malha)Que dá uma onda mais atriz...


TAÍSA - Julia, pára! Senta aqui, um segundo.


JULIA - Não, dá Taísa, não dá, eu não tenho tempo.


TAÍSA - É um segundo pra você tomar um café. Esse tempo todo que você ficou aí se lambendo você podia estar sentada aqui tomando café, conversando comigo.


Julia amarrando um casaco na cintura.


JULIA - Me lambendo?


TAÍSA - É, se lambendo. Julia, tá horrivel isso. Então, minha mãe me mandou uma presente.


JULIA - Ai, não vamo falar de mãe, né Taísa, mãe é um negócio muito complicado.


TAÍSA - Por que? Só porque você não fala com a sua?


Julia começa a cantarolar uma música.


TAÍSA - Beto me ligou ontem. Meia-noite em ponto. Muito fofo, né? Meia-noite, Não é ótimo? Nunca imaginei que ele fosse me ligar. A gente não se falava há uns oito meses, sei lá. Julia, eu tô falando com você? Que é, Julia? Você tá com inveja, só porque o Gabriel não te liga?


JULIA - Inveja? Eu não tenho inveja das pessoas, elas que têm inveja de mim, do meu brilho. Além do que eu tô solteira por opção, querida? (senta a mesa com um leque e começa a se abanar)Tô nervosa, amiga, minha estréia. Você sabe o que é isso? Você não entende, né? Você não sabe o que é nascer com isso, né? Essa cosia inata que ferve. Talento.


TAíSA - Você tá com a sobrancelha um pouquinho grossa


Julia levanta e pega a bolsa e começa a catar as últimas coisas para sair de vez.


JULIA - As vezes eu acho que eu sou assim... uma reencarnação... CAcilda Becker. Aliás, eu sou o que a Cacilda Becker queria ter sido! É muito talento. Se eu fosse dançarina, por exemplo eu seria o que a Pina Baush queria ter sido! Tadinha... Morreu também, né?


TAÍSA - SAbe que minha avó dizia uma coisa que era um ouro.


JULIA - Um ouro, Taísa? Que expressão é essa, minha filha? Só poderia ter tirado isso da sua avó mesmo!


TAÍSA - Ela dizia que quando uma pessoa fala muito de uma coisa é porque ela precisa se afirmar.


JULIA - Avó, Taísa,avó? Quem vive de passado é museu. Eu tô indo pro meu presente brilhante que vai ficar pra história. Imagna, Taísa, você vai poder contar pros seus netos que você morou com Julia Mendes! Bom, amiga, agora eu vou ter que ir mesmo, viu.


E sai. TAísa fica sozinha. Olhando para o lugar vazio em sua frente.






CENA – ANA JULIA E TAÍSA


ANA JULIA –Ai, to com uma dor de cabeça... Ainda bem que você ta aqui! É tanta coisa pra arrumar! Olha eu pré-nascida!(numa foto)


TAÍSA – Recém nascida.


ANA JULIA – Não, pré-nascida mesmo!


TAÍSA – Essa não é você, Ana Julia, é a sua mãe grávida.


ANA JULIA – Não, sou eu dentro da barriga da minha mãe. Cara, você já teve paranóia de ser adotada?


TAÍSA – Quando eu era pequena meu pai brincava dizendo que tinha me achado na lata do lixo. Eu achava que não devia acreditar, mas ficava uma duvidazinha sussurrando que nem o diabinho da consciência, sabe?


ANA JULIA – Toda criança tem um pouco disso, né? De achar que não é filha de verdade dos pais. Eu sou a cara da minha tia, muito mais parecida com ela do que com a minha mãe, mas assim, infinitamente., então eu achava que era filha da minha tia e não da minha mãe.. Aliás, achava, não, eu tinha certeza disso. Achava que a minha tia tinha me tido muito nova e por isso a minha mãe ficou comigo. Aí um dia eu perguntei pra minha mãe: Mãe, tem certeza que eu não sou filha da minha tia? Aí ela disse: Ô garota, até parece que você nunca viu nenhuma foto minha grávida de você.


TAÍSA – É tem disso né... uma coisa que parece ser outra coisa, mas é ela mesmo... Mas eu acho que esse lance é normal, esse medo de não pertencer a alguma coisa. Família, amigos... Tem alguma coisa pra comer aí?


ANA JULIA – Não sei, de repente tem barrinha de cereal... Tem bala, quer?


TAÍSA – Não. Queria alguma coisa tipo brigadeiro. Acordei com uma vontade de comer doce hoje. Sempre fico assim em dias especiais.


ANA JULIA –Eu não, to meio enjoada.


TAÍSA – Se eu não te conhecesse ia achar que você tava grávida.


ANA JULIA – Grávida faz muito xixi, né?


TAÍSA – Você não ta grávida, Ana Julia.


ANA JULIA – Não é isso, não, é que sabe o que eu fico pensando?


TAÍSA –Hum tô com vontade de comer um bolo.


ANA JULIA – Grávida faz xixi toda hora, e eu só tenho um rim né, amiga?


TAÍSA – E daí?


ANA JULIA – E daí que meu rim vai ficar sobrecarregado. Se já é muito xixi pra quem tem dois, imagina pra quem tem só um?


TAÍSA – Amiga, você sabe que hoje é um dia meio diferente para mim, né?


ANA JULIA –Pra você também? Menina, recebi um negócio tão estranho... Hoje de manha. Acordei e fui na porta pegar o jornal. Debaixo do jornal tinha esse envelope. E quando eu abri, olha o que tinha dentro.


TAÍSA – Quem é você?


ANA JULIA – Não é estranho?


TAÍSA – E aí? Quem é Ana Julia?


ANA JULIA – Foi você?


TAÍSA – Claro que não, Ana Julia. Bolo de chocolate ia ser perfeito, hein. Acho que super tem a ver com o dia de hoje.


ANA JULIA - Bolo? Eu tenho um certo medo. , No meu aniversário de 4 anos eu comi um bolo de chocolate e fiquei com uma intoxicação alimentar.


TAÍSA – Aniversário?


ANA JULIA – É.E só eu fiquei intoxicada. Todo mundo comeu e só eu fiquei intoxicada. Pega a sapatilha ali pra mim? Voltei pro balé amiga.


TAÌSA – Ah, que bom.


ANA JULIA – Ah, eu nunca devia ter saído, né? Sabe que eu nasci pra isso, né... Acho que tem coisa na vida que é assim, sabe, nasce com a pessoa... isso tem nome, né? Talento. Eu sempre tive talento pra dança, desde criança eu já era toda dançante.


TAÍSA – Faz um bolo pra mim hoje?


ANA JULIA – Faço. Tem uma história ótima de quando eu era pequena e meus pais me levaram no teatro pra assistir A Bela Adormecida. Aí, no meio da peça, um ator chamou uma criança da platéia pra subir no palco e cantar uma música. Eu saí correndo.


TAÍSA – É, eu sei, você já me contou essa história.


ANA JULIA – Não, eu nunca te contei essa história, eu contei pra Julia.


TAÍSA - Vai fazer de chocolate?


ANA JULIA – O que?


TAÍSA – O bolo.


ANA JULIA – de cenoura com Chocolate.


TAÍSA – Ótimo


ANA JULIA – EU só não sei fazer, mas eu ligo pra minha mãe e pergunto. Então, aí eu saí correndo e subi no palco. Só que eu não tinha a menor idéia do que eu ia fazer. E ficou aquele silêncio... A platéia olhando pra mim, eu ali no meio... Parecia aquela música do Seu Jorge com a Ana CArolinha, sabe? “Um cavalo sem asas, no meio do palco”. Eu ali, né? Eu não sei o que mei deu, eu comecei a cantar: os preguinhos seguram as toalinhas, os preguinhos seguram as toalinhas.


TAíSA – Desculpa, amiga, mas então você nasceu pra ser cantora, não bailarina. Ana Julia, você acha que você acha que eu fico melhor de preto ou de vinho? Não sei que roupa eu vou botar hoje.


ANA JULIA – Eu sou sempre adepta do rosa, por causa do balé.


TAÍSA – Amiga, eu vou embora. Tem gente me esperando, louca pra me ver hoje, sabe, não quero deixar as pessoas me esperando, vai parecer que eu esqueci delas, descaso. E eu, particularmente acho isso horrível. Fazer as pessoas parecerem insignificantes.


ANA JULIA – Que isso, amiga, peraí,Ainda não acabei de contar. Depois que eu cantei, os atores me deram um ursinho lindo que tinha escrito na barriga assim: Meu Primeiro Prêmio de Teatro. Foi a primeira vez que eu subi no palco entendeu? Já comecei ganhando um prêmio. Esse negócio do balé é sério, sabe. (Taísa começa a fazer om coque em Ana Julia) Eu acabei parando o balé por causa da minha asma, né? Aí eu comecei a fazer natação. Tem uma coisa também, a vida inteira todo mundo falou do meu pé, que sabe essa curva aqui do pé? É muito acentuada. Ai. (Ana Julia reclama de dor da Taísa fazendo o coque)Todo mundo sempre falou: Nossa, você tem pé de bailarina. E eu achava aquilo lindo. Ai, pára, eu to horrorosa, amiga! Ai, sabe o que é que isso me lembrou agora? Quando eu era pequena e minha mãe fazia coque em mim. Não sei porque, mãe tem mania disso, puxa o cabelo e quando não tem mais o que puxar, continua puxando. Aí bota o grampo e


TAÍSA (interrompe)– Que isso, Ana Julia?


ANA JULIA – É uma vaquinha que eu adoro. Aí bota o grampo e fica aquele negócio puxando a sua cara, né, dá uma sensação de plástica? Parece que ta tudo repuxando. E com aquele gel, o cabelo ficava duro, repuxado e duro. Nossa, como doía, doía muito. Tinha dia que chegava a sair ate lágrima do meu olho.


TAÍSA – Amiga, eu to indo. (Taísa abraça Ana Julia) Me liga mais tarde, vê na sua agenda que dia é hoje.


ANA JULIA – Você ta insinuando que eu sou desorientada, perdida? Eu sei que dia é hoje, da semana e do mês. Sexta-feira, dia tal!


TAÍSA – Tchau, Ana Julia.


ANA JULIA – Peraí, Taísa, eu preciso que você me ajude a descobrir o que fazer com o perseguidor da carta.


TAÍSA – Que perseguidor, Ana Julia? Você vai abrir a porta pra mim?


ANA JULIA – O da carta de hoje de manhã. Pode ser um psicopata, sei lá. Voc~e mesma concordou que era estranho.


TAÍSA – Ana Julia, eu nunca imaginei que eu fosse falar isso pra você, mas você ta precisando de um médico.


ANA JULIA – Mas eu acho qe é aquele seu vizinho estranho.


TAÍSA – Ana Julia, ele é só um cara estranho.






CENA – EDU E JULIA


EDU ESTÁ TOCANDO VIOLÃO. JULIA ENTRA EMPOLGADA.


JULIA – E aí, Edu?


EDU – Tudo bem?


JULIA ABRAÇA EDU


EDU- Tudo bem?


JULIA – Tudo beeeemmm.


EDU – E aí, como é que ta?


JULIA – Vim aqui, né, conversar um pouquinho com você, meu grande amigo, vizinho querido.


EDU – É.


JULIA – É. Conta aí.


EDU – Nada pra fazer?


JULIA – Tem, claro que tem. E quando que Julia Mendes não tem uma boa pra você? To fazendo uma festa surpresa pra Taísa. Hoje lá em casa. A festa é surpresa, hein, não vai abrir a boca, não faz merda.


EDU – Porque merda?


JULIA – Você mora aqui, vai que encontra no elevador, ah sei lá, você as vezes fala demais umas besteiras , parece que não tem mais o que falar! Não vai abrir a boca, pelo amooor de Deus!


EDU – Ah é? Aquelas suas amigas vão?


JULIA – Vão... Minhas amigas vão. Que amigas? Você nem conhece minhas amigas!


EDU – Aquelas que eu conheci no seu aniversário.


JULIA – No meu aniversário de dois anos atrás? Você lembra disso, Edu! Que bonitinho... Elas vão, sim.


EDU – E como é que elas estão?


JULIA – Minhas amigas? Bem. Ai, Allegra, nossa, passou lá em casa hoje cedo, nossa, ruiva, linda, linda, linda, linda!


EDU – Sério?


JULIA – Nunca vi tão linda. Um charme, uma coisa ruiva! Mas Allegra ta bem, Ana Luiza ta bem, Taisa ta bem, quer dizer, Taisa... Bom, Manu...


EDU – Ana Julia.


JULIA – Ana... hum... Ana Julia ta bem, que é que tem Ana Julia?


EDU – Ué? Ana Julia.


JULIA – Ahn?


EDU – Ahn o que?


JULIA – Pra cima de mim, Edu?


EDU – O que?


JULIA – Não sei...


EDU – O que, Julia?


JULIA – Não sei...


EDU – Pra cima de mim o que, Julia? (aproxima-se de Julia)


JULIA (sai de perto) – Que isso? Vai resolver seu negócio com Ana Julia, meu bem.


EDU - Por que é que você ta fazendo isso?


JULIA – Sei lá, você ta cheio aí de na na na.


EDU – Tá com medo?


JULIA – Claro que não! Medo... Ana Julia vai Tá lá hoje, hein!


EDU – Tá bem.


JULIA – Tudo bem? Tá tranqüilo pra você ela ir?


EDU – Tá, porque não taria?


JULIA – Ué!


EDU – De onde você tirou isso que... dzãaa ã nhã


JULIA – Eu não tirei nada, meu bem, você que ta aí com uma coisas que..


EDU – Que umas coisas?


JULIA – Você largou o violão! Não larga o violão nunca, falei Ana Julia você largou! Chegou mais perto, alguma coisa tem!


EDU – Não.


JULIA – Sim.


EDU – Sim?


JULIA – Não?


EDU – Ah, sei lá, cara


JULIA – Ih... pronto, já vi tudo. Me conta, como é que é esse negócio com a minha amiga, aí?


. EDU – Tá interessada, né?


JULIA – Eu to sempre interessada.


EDU – Agora você chegou mais perto... Eu falei que sim só pra ver se você ó, agora você chegou mais perto... Quando é fofoca mulher adora, né?


JULIA – Não. Não é fofoca, é assunto de família,né, amiga é família.


EDU (ri) – família?


JULIA – fala.


EDU – cara, eu me sinto uma pessoa esquisita do seu lado, me dá um alívio.


JULIA – Ahn? Me dá um alívio? Vou até sair (levanta). Alívio?


EDU – Não, não, não, pode sentar, desculpa, desculpa, desculpa.


JULIA – Fala, Eduardo, fala que eu te escuto. Como é que estão as mulheres?


EDU – Tá satisfatório.


JULIA – Ah... a menina.... da Colômbia, Argentina, Venezuela, mentira, da onde ela mesmo?


EDU – Venezuela. A Rosselini, ela já foi.


JULIA – Rossi. Que que rolou com ela, você fez coisinhas com ela, conta tudo.


EDU – É...


JULIA – E ela gostou?


EDU – Acho que sim, né, se ela voltou pra provar o fruto de novo. Mas a Rossi é página virada.


JULIA – Que fruto é esse! Que mais que rolou, conta.


EDU – Sabe quando você tipo, saiu daqui, abriu o portão do prédio , começa a andar na rua e começa a achar que a pessoa que você ta afim pode ta em qualquer um dos carros que passam, ou dos ônibus, dos aviões, ultra-leves, sabe?


JULIA – Ai, vou até me afastar de você. Que papo é esse Eduardo? A gente ta falando da Rossi e de repente andando na rua, carro aparecendo, que isso?


EDU – Como se você quisesse que a pessoa estivesse ali, por exemplo, você ta na praia, passa um ultra-leve e você pensa que essa pessoa podia estar ali dentro, te vendo de lá de cima. Você já sentiu isso?


JULIA – Como assim, eu to em todo lugar e eu fico vendo essa pessoa em todo lugar até num ultra-leve?


EDU – É, você fica procurando ela em qualquer lugar que você esteja.


JULIA – É... eu já tive várias desilusões na minha vida.


EDU – Sério?


JULIA – Sério. Mas não quero falar disso não, quero falar da Rossi. Aí você imagina a Rossi num ultra leve?


EDU – Não.


JULIA – Quem? A Ana Julia?


EDU – É.


JULIA – Ahhhhh! A Ana Juliaaaa! Tô chocada! Tô chocada! Conta, Edu, conta!


EDU – Ai, eu não sei direito.


JULIA – Não, pára, não conta! Antes eu quero saber da Rossi e sua experiência com ela.


EDU – Saber o que, Julia, a Rossi é passado, já foi.


JULIA – E era bom o sexo com ela?


Edu fica olhando para baixo sem responder


JULIA – Nossa, demorou muito, era péssimo, então, né!


EDU – Claro que não, eu fiz o dever de casa, né, Julia?


JULIA – Tava pensando em que aí então olhando pra baixo, cabisbaixo todo curvadão aí quase abrindo um buraco e enfiando a cabeça no chão?


Edu não responde.


JULIA – No sexo com a Ana Julia?


EDU (ri)– É.


JULIA – Eduaaaaaaaaarrrrrdoooooo!Menino!


EDU – Eu sonhei com a Ana Julia. Nua.


JULIA – O que? Eduaaaaaaaaaaaaaardo! Vo-cê é mui-to ta-ra-doooooo!


EDU – Que isso? Eu sou tarado?


JULIA – É.


EDU – Eu sou tarado?


JULIA – É.


EDU – Eu sou tarado?


JULIA – Eduardo, é! Mas não muda de assunto, não, a gente tava falando do sonho com a Ana Julia. Que é que voc~e sonhou? Você fez um sexo com a Ana Julia no sonho? Como é que é o sexo com a Ana Julia? É animaaaaado?


EDU – Cara... eu sonhei que eu tava num campo imenso, muito, muito, muito grande. E tinha uma árvore muito alta nesse campo. E eu tava deitado embaixo da arvora, dormindo. De repente caiu uma coisa em cima de mim e eu acordei. Outra coisa caiu. Eram morangos. Começou a cair morango em cima de mim.


JULIA – Peraí, Edu, tem alguma coisa errada com esse sonho. Morango não dá em árvore, como é que tava caindo morango da árvore?


EDU – Julia, você ouviu o que eu falei? Era um sonho! Você vai deixar eu falar ou não vai?


JULIA – Claro que vou! Tenho um ouvido psicanalítico. Se eu não tivesse nascido pra ser atriz teria nascido pra ser psicóloga. Pode contar, Edu, conta seu sonho erótico com A Ana Julia que eu vou interpretar esse recado do seu inconsciente.


EDU – então, começaram a cair morangos em cima de mim e quando eu olhei pra cima, A Ana Julia estava lá, sentada na árvore, nua, jogando morangos em cima de mim e quando eu olhei, ela deu um sorriso safa do pra mim e começou a descer escorregando pelo tronco da árvore.


JULIA – Você é muito tarado, cara, muitooo. Por que é que você não realiza esse desejo?


EDU – Não tenho jeito pra falar com mulher, cara.


JULIA – Ah, não fala isso Edu, jura?


EDU – Sou muito tímido, sério.


JULIA – Mas quando você ta lá com a mulher, você “raun”? Na hora, você “pã”? Você manda bem?


EDU – Já falei, né Julia, faço o meu dever de casa.


JULIA – É? Mas você aprende onde? Você bota no Google? Como fazer sexo animaaal? Como é que é esse dever de casa?


EDU – Sei lá.


JULIA – Você entra na sessão pornô?


Edu – Que isso? Marília Gabriela, tá me entrevistando?


JULIA – Tô tentando te ajudar, Edu, com a Ana Julia, você não ta vendo isso?


EDU – Tô aqui te contando as paradas e você pega tudo que eu te falei e fica aí fazendo piada!


JULIA – Fazendo piada? Eu jamais faria isso! Eu sou sua amiga, você é meu vizinho querido, eu nunca faria isso com você Edu, pára de drama, pára de show que a atriz aqui sou eu! (curto silêncio)Eu só to perguntando... Você falou aí: Julia, eu sou animal na cama, eu faço o dever de casa...


EDU (interrompendo) – Eu sou um animal na cama?


JULIA – Você falou.


EDU – Eu sou um animal na cama?


JULIA – Não sei. (Curto silêncio). Fala.


EDU – Fala o quê?


JULIA – O que é que você queria fazer com a Ana Julia na cama, cheia de morango?


EDU – Pô, mas quem queria no sonho era ela.


JULIA – E na vida real, quem quer?


EDU – Sou eu.


JULIA – Levanta! Levanta! Vamo tentar aí descobrir onde é que está esse animaaaal! (Julia ajuda Edu a levantar). Olha! Olha! Ta aí uma coisa que pode ajudar. (Julia pega o violão) Porque mulher, Edu...


EDU (interompe) – Não! Eu canto muito mal!


JULIA – Cala a boca, Edu! Mulher gosta, mulher gosta de homem que tem um lado artístico, assim, de instrumento, coisa com arte! Ana Julia, então, adora. Senta aqui, senta.


EDU SENTA COM OS BRAÇOS CRUZADOS POR CIMA DO VIOLÃO


JULIA – Isso, muito bem. Olha, amanhã na festa da Taísa, ela vai chegar... Você vai ta assim? (imita a postura de Edu).


EDU – Não.


JULIA – Então, faz uma pose aí de macho, cabra macho. Como é que é, cabra macho? Faz aí uma cara de cabra macho.


EDU – Eu não vou fazer um ca...(é interrompido por Julia)


JULIA – Que é que você imagina que é um cabra macho?


EDU – Sei lá, porra!


JULIA – Ô! Vou te contar, hein!


EDU – O que é que é pra você, então, Julia, um cabra macho?


Julia caminhando até ele com um andar meio marrento, um indício de cabra macho, quando chega ao lado de Edu começa a ajeitá-lo manipulando seu corpo. Gira a cabeça dele para a frente arruma a postura dele.)


JULIA- As mão têm que ser assim(faz com as mãos como deve ser a pegada no violão), bem agressivas. (Edu imita)


Julia chega para trás para olhá-lo. Edu está fazendo uma espécie de bico, com o lábio inferior pra frente.


JULIA – Isso ! Com essa boca! (fala fazendo a boca)Essa boca é boa. Cara Edu, você ta ótimo, amigo, você vai arrasaaaar! Faz de novo, vai. Postura, bota a mão “raun”


EDU (interrompe e levanta)-Ah! Você ta me sacaneando!


JULIA – Claro que não, olha pra mim! Olha pra mim, eu não to te sacaneando! Eu conheço a Ana Julia, ela gosta de cara assim, cabra macho!


EDU – Cabra macho?


JULIA – Senta.


EDU – cabra macho?


JULIA – É.


EDU – Só falta você falar que ela gosta de Fagner.


JULIA FAZ UMA CARA DE SURPRESA


JULIA – Como é que você adivinhou?


EDU- Ah é?


JULIA – Tô brincando, gosta não, senta aqui, anda, senta, senta, senta. Tava bom aquele bico aqui (imita o bico).


EDU – Não vou fazer de novo...


JULIA (suspira,começando a ficar sem paciência) – Edu, você quer ficar com a Ana Julia amanhã na festa ou não quer, que fazer lá o negócinho ou não quer?


EDU MEXE NAS CORDAS DO VIOLÃO


JULIA – Quer ou não quer, Edu? Agilidade na vida! Ela vai chegar e você? Você sabe como chegar nela?


EDU – Não...


JULIA – Aí é foda.


EDU – E você sabe?


JULIA – Claro que eu sei, espera um minutinho(e vai colocar uma música).


JULIA COLOCA UMA MÚSICA ELETRÔNICA PRA TOCAR, TIRA O VIOLÃO DE EDU E PUXA ELE DA CADEIRA PRA DANÇAR


EDU – Eu não vou dançar.


JULIA – Ah, vai sim.


EDU – Não Julia, eu não vou dançar.


JULIA (em tom de discussão)– Você quer ou não quer, quer ou não quer?


EDU – Quero.


JULIA – Quer?Então, porra, vai dançar sim!


JULIA COMEÇA A DANÇAR


JULIA – Vamo, Edu! (Começa a mexê-lo para ele dançar). Anda Edu, vamo lá. Essa música que vai tocar amanhã, eu que fiz a lista! Vou aumentar um pouco mais pra ver se você se anima!Oh, mulher gosta de homem na dele, homem na dele. (Julia reproduz o” homem na dele” encostando na parede de braços cruzados olhando para o lado oposto de Edu). Se quiser pode fumar um cigarro também, mas tem que ser com charme. Na dele, na dele! I(Julia começa a mexer o quadril) Vai se animando aos poucos. (mexe os quadris de forma mais acentuada,num ritmo mais acelerado). Vamos, Edu. (Encosta ele na parede.)


EDU DESVIA DE JULIA E SE DIRIGE AO SOM


EDU – Eu não vou dançar, eu não gosto de dançar, eu não sei dançar.


JULIA – Ah, Edu, assim eu vou pra casa, não vou ficar perdendo o meu tempo aqui com você, não, to tentando de ajudar! Você não me leva sério, cara! Porra, você ta de sacanagem com a minha cara!


EDU – Eu não sei dançar.


JULIA – Mas você aprende, qualquer pessoa aprende!


EDU – Mas eu não sei dançar!


JULIA (pulando, soltando o corpo e o braço)– Edu, solta o corpo, isso você sabe fazer, solta, pula Edu, assim, faz qualquer coisa, Edu, que saco!


EDU – Eu não consigo.


OS DOIS SENTAM CABISBAIXOS, CADA UM NUM CANTOE A MÚSICA PÁRA


BREVE SILÊNCIO


EDU – Eu só queria falar com ela, eu não sei.


JULIA NÃO RESPONDE, EDU FICA OLHANDO PARA JULIA A ESPERA DE ALGUM COMENTÁRIO


EDU- Desse jeito não existe?


JULIA PERMANECE SEM RESPONDER


EDU (fala alto)– Julia!


JULIA MANTÉM-SE CALADA. EDU CONTINUA OLHANDO PARA ELA A AESPERA DE ALGUMA RESPOSTA. ELA NÃO OLHA PARA ELE. O TELEFONE DE JULIA TOCA. ELA ANTENDE. ENQUANTO ELA FALA AO TELEFONE, EDU PEGA O VIOLÃO E COMEÇA A TOCAR.


JULIA –Alo, oi Ju!Tudo. Não, pode falar, to aqui na casa do Eduardo, meu vizinho. Ah, não sei, to aqui conversado com ele só. Não, relaxa. Tá bom, mais tarde a gente se fala. Tá bom, beijo. (desliga)


EDU PÁRA DE TOCAR BREVE SILÊNCIO


EDU – Quem era?


JULIA (sem olhar pra ele) – Uma amiga minha.


EDU – Que houve?


JULIA – Nada.


EDU – Ficou puta comigo?


JULIA – Não.


EDU- Que houve?


JULIA - Você quer ou não quer?


EDU – O que?


JULIA – Ajuda.


EDU – A Julia?


JULIA – Ajuda.


EDU – Quero, cara, mas tem que ter outro jeito, eu não sei dançar, não sirvo pra isso.


JULIA – Tá bom, vamo lá. Que é que você falaria pra ela? Eu sou ela: Oi Eduardo, eu sou Ana Julia, o que é que você vai falar?


EDU – Eu não sei.


JULIA – Você vai falar isso?


EDU – Eu não sei porque, mas eu to gostando de você.


JULIA – Você quer ta gostando ou não quer?


EDU – Ahn?


JULIA – Você quer ta gostando ou não quer? Isso é uma coisa boa ou é uma coisa que vai contra você?


EDU -Quero.


BREVE SILÊNCIO


EDU – Por que você ta tão preocupada com isso?


JULIA – porque eu sou sua amiga e quero te ajudar, por quê? Você nunca teve um amigo que quisesse te ajudar?


EDU – Não... Não.


JULIA – Vai fazer essa barba.


EDU – Cabra macho não tem barba?


JULIA – Tem, mas a Ana Julia não gosta de homem com barba porque ela diz que ela nasceu alérgica a barba, tem a pele muito sensível.


EDU LEVANTA E VAI FAZER A BARBA/COMPOSIÇÃO DO EDU






CENA PEPÊ E ANA LUIZA


Pepê está lá arrumando a festa. Ele está enchendo bexigas e as deixando espalhadas pelo chão. Ele está com uma bexiga rosa na mão, cheia, tentando dar um nó.






Ana Luiza chega e Pepê se surpreende com a sua chegada.






PEPÊ - Ana?






ANA LUIZA - Oi.






PEPÊ - Que é que você tá fazendo aqui?






ANA LUIZA - Você não vai me dar uma abraço?






Pepê hesita diante da pergunta de Ana Luiza, constrangido, abraça-a.






ANA LUIZA - Tava com saudade.






PEPÊ - Eu também.






Pepê desfaz o abraço.






PEPÊ - Veio ajudar aqui na arrumação?






ANA LUIZA - Vim, por quê? Não deveria ter vindo?






PEPÊ - Deixa de ser boba, Ana.






Ana apóia a bolsa num cabideiro.






PEPÊ - Pois, é, eu também tô aqui, arrumando... enchendo bola...






os dois riem






ANA LUIZA - Cadê a Julia?






PEPÊ - Ela foi pra um ensaio, sei lá. Você quer me ajudar a arrumar as coisas?






ANA LUIZA - Vim aqui pra isso.






PEPÊ - Você pode me dar uma juda aqui, dar esse nó. Tô a uma hora tentando dar esse nó e não consigo.






Ana Luiza dá o nó.






ANA LUIZA - E aí, tá tudo bem?






PEPÊ - Tá...






ANA LUIZA - Que é que você tem feito?






PEPÊ - Nada demais. Sua mãe?






ANA LUIZA - Que é que tem ela?






PEPÊ - Tá bem?






ANA LUIZA - Tá bem aqui no meu ombro.






PEPÊ - Que?






ANA LUIZA - Fiz uma tatuagem. TAtuei mãe no meu ombro. A gente tem que prestigiar as pessoas que amam a gente de verdade, né?






PEPÊ - Saudade dela.






ANA LUIZA - Você podia ir lá visitar.






silêncio






ANA LUIZA - Por que é que a gente não pendura essas bolas?






PEPÊ - Aqui é alto.






ANA LUIZA - MAs e aí, Pepê... Você não tem nada de nvovo pra me contar, não é possível.






PEPÊ - Como assim?






ANA LUIZA - Não é possível que em um mês nada tenha acontecido na sua vida.






PEPÊ - Nada relevante. SAbe quem eu encontrei no show da Orquestra Voadora ontem?






ANA LUIZA - Orquestra, é? Como é que foi?






PEPE - Foi Legal.






ANA LUIZA - Ahn, quem você encontrou?






PEPÊ - O Bruno.






ANA LUIZA - Que é que tem?






PEPÊ - Estranho, né?






ANA LUIZA - Que é que tem de estranho nisso?






PEPÊ - É que semana passada eu encontrei o cara no Baixo Gávea, e a Manu disse que tava passando de carro pela Guanabara e viu o Bruno lá com choppinho na mão.






ANA LUIZA - Onde você encontrou a Manu?






PEPÊ - Eu não encontrei a MAnu.






ANA LUIZA - VocÊ acabou de dizer.






PEPÊ - É outra MAnu.






ANA LUIZA - Hum...






PEPÊ - O cara ia casar e de repente tá em todas as noites do Rio de Janeiro.






ANA LUIZA - É, Pepê, as pessoas vão e voltam, fazem de tudo.






PEPÊ - Vão e voltam? Voltam pra onde?










Ana Luiza pára na frente de Pepê.Fica encarando ele, jogando charme. Ele ri. Levanta e pega uma bola para encher.






ANA LUIZA - Você emagreceu, hein! Tá bem bonito.






PEPÊ (tímido) - Obrigado. Você também.






ANA LUIZA - Que é que você acha dessa blusa? Você acha que eu vou ficar melhor com ela? Ou com essa aqui, desse modelo?






PEPÊ (ri) - Que é que você acha?






ANA LUIZA - Você lembra quando você me deu essa?






PEPÊ - Lógico.






ANA LUIZA - Então quando foi?






PEPÊ - No seu aniversário do ano passado.






ANA LUIZA - Não, foi no nosso um ano de namoro.






PEPÊ - Foi no seu aniversário, eu tenho certeza.






Ana Luiza experimenta a outra blusa.






PEPÊ - Ah, é? Você vai fazer isso agora?






ANA LUIZA - O que?






PEPÊ - É uma rebeldia ou é uma provocação isso?






ANA LUIZA - Rebeldia?






PEPÊ - Então é uma provocação?






ANA LUIZA - Foi no meu aniversário, só queria testar o tamanho da sua convicção. Tá feio? (ana Luiza em frente ao espelho?






PEPÊ - Prefiro a outra.






Ana Luiza ri






ANA LUIZA - Claro que você prefere a outra. (e troca novamente de blusa)






PEPÊ - Você é ridícula.






ANA LUIZA - Que é, Pepê, tô querendo saber que roupa eu vou usar.






PEPÊ - E precisa ficar trocando de roupa na minha frente? PArece até que eu sou um estranho!






ANA LUIZA - Justamente porque é você que eu tô trocando e roupa na sua frente. Ou você acha que eu fico tirando a roupa na frente de qualquer um por aí. Vamo botar uma música?(continua trocando de roupa)






PEPÊ - Coloca aí.






ANA LUIZA - Coloca essa aqui pra mim?






Pepê pega o cd da mão de Ana Luiza.






ANA LUIZA - É a três. Esse vestido tá bom?






PEPÊ - Você tá linda.






ANA LUIZA - Eu tô linda?






PEPÊ - Tá.






ANA LUIZA - E o que é que você faz quando tem uma música linda tocando e uma mulher linda na sua frente?






PEPÊ - Não sei, Ana... Não sei...






Ana Luiza encara-o






ANA LUIZA - Você olha no fundo do olho dela, diz mais uma vez que ela está linda. Pega na mão dela, e sem tirar seus olhos dos olhos dela, tira ela pra dançar. Você faz um carinho no rosto dela e diz que não agüentava mais de saudade de olhar pra ela, de dançar com ela, do gosto do beijo dela.






Pepê abraça-a e desfaz o abraço.






ANA LUIZA - Como é que tá o trabalho? Muitos clientes.






PEPÊ - Meio de saco cheio.






ANA LUIZA - Por que? Tá sentindo falta de alguma coisa?






PEPÊ - Não sei, tem dias que sim, tem dias que não.






ANA LUIZA - Quando você tá na Orquestra Voadora? Você sente falta de alguma coisa?






PEPÊ - Você não vai deixar de ser irônica nunca, né?






ANA LUIZA - Irônica, eu?






PEPÊ - E cínica.






ANA LUIZA - Vai começar a me agredir agora?






PEPÊ - Por que é que você não pergunta logo.






ANA LUIZA - Tô perguntando: E aí, como é que tá o trabalho, tá sentindo falta de alguma coisa, e na orquestra voadora, você sente falta?






PEÊ - Não, quando eu tô na Orquestra Voadora eu não sinto falta.






ANA LUIZA - Ah, não sente falta, nã?






PEPÊ - Não, não sinto a menor falta, a menor, pelo contrário!






ANA LUIZA - Você é preenchido, né?






PEPÊ - Eu não sou, não, mas eu tô. Ultimamente eu tenho estado muito preenchido, muito.






ANA LUIZA - É, e o que é que tem te preenchido tanto?






PEPÊ - Você vai me desculpar, Ana Luiza, mas isso não é da sua conta.






ANA LUIZA - Você não pode me falar da sua vida?






PEPÊ - Não.






ANA LUIZA - Por que? Você fez alguma coisa de errado?






PEPÊ - Porque se eu quisesse dividir a minha vida com você eu ainda estaria com você. MAs eu não estou. Acabou, Ana Luiza. Você me cansa.






ANA LUIZA - Você tá muito nervoso, eu vou me maquiar lá dentro enquanto você se acalma.






CENA - EDU E ANA JULIA


Dudu entra com violão. Ana Ju se assusta.






EDU - Ana Julia! Que surpresa! Nunca imaginei te encontrar por aqui hoje.






ANA JULIA - Que é que você tá fazendo aqui?






EDU - Eu vim... Ver se tava tudo bem.






ANA JULIA - Tá tudo ótimo.






EDU (se aproxima)- Tava chorando?






ANA JULIA (esquiva)- É... tava ensaiando a minha cena.






EDU - Cena?






ANA JULIA - Do jogo dos filmes.






EDU - Jogo?






ANA JULIA - É, garoto, da festa. Hoje é aniversário da TAísa.






EDU – É, to sabendo. Aliás, que é que você tá fazendo aqui. não era pra você estar cuidando da TAísa?






ANA JULIA - Meu filho, pra sua informação, agora eu moro aqui.






EDU - É, que bom né! A Julia me falou! Mas... não era pra você estar enrolando a Taísa pra ela não voltar pra casa?






ANA JULIA - Pois é... eu tava com ela na minha casa, mas ela saiu correndo, do nada, deu um ataque, eu fui atrás dela, mas ela brigou comigo, me mandou embora... Nunca vi a Taísa daquele jeito. E eu nem fiz nada demais. Sei que depois do ataque maior ela entrou no cinema, escolheu um filme infantil pra ver, depois comprou um sorvete gigante, entrou na sessão seguinte de novo, depois saiu pegou um taxi, parou no supermercado, comprou ovo, chocolate em pó, fari..






EDU - Mas ela não te pediu pra ir embora?






ANA JULIA - Pediu, mas eu segui ela. Aí, quando ela saiu, entrei num taxi e falei: moço, tá vendo aquele carro ali? Segue! Só que eu acho que eu não sei o que aconteceu, quando a pessoa saiu do carro, não era mais a Taísa. Aí eu vim pra cá pra não deixar ela subir.






EDU - Você já trouxe as suas coisas?






ANA JULIA – Não, não to te falando que ela saiu correndo da minha casa, não deu tempo de trazer. Era muita coisa pra carregar sozinha e correndo.






EDU - Se precisar da ajuda de um cabra macho pra ajudar...






ANA JULIA - Cabra macho?






EDU - É, cabra macho... Sabe que uma menina como você não deveria chorar na frente do espelho.






ANA JULIA- Por que? Dá azar?






EDU - Não, é que... você é muito... sabe que... é que essa noite, eu tive um sonho bem, bem erótico...






ANA JULIA - Menino, eu também tive um sonho exótico! Estranhíssimo. Quer contar o seu primeiro?






EDU - Não, pode contar o seu.






ANA JULIA - Era como se tivessem duas de mim. E era como se uma de mim estivesse morrendo e dizia não, não, eu não quero morrer, e tava deitada numa maca, como se fosse uma sala de cirurgia. Tudo branco em volta, aquela luz fria... E a outra de mim estava me olhando e dizia: abre, abre. Tinham uns médicos, um de cada lado, e eles fizeram um corte aqui em volta do meu peito e abriam, asssim, como se fosse a capa de um livro e colocaram a mão no meu coração pra tirar, e eu dizia assim: não tira, por favor, não tira, eu tenho sentimentos... e eu lá, toda aberta.






EDU - Você tem um cigarro aí?






ANA JULIA - Não sabia que você fumava.






EDU - É, as pessoas não sabem, eu só fumo quando eu tô sozinho, a Julia que fala: Você só fuma escondido né, garoto! Tem fogo?






ANA JULIA - Mas sabe que esse sonho tem tudo a ver com uma coisa que eu tô passando... Um produtora aí que fica me enchendo pra fazer workshop com famosos, ficar marcando presença em festa de gente conhecida pra me promover... Que é que foi?






EDU - Nada, nada, continua!






ANA JULIA - Outro dia, você acredita, me chamou pra ir numa festa da Elba Ramalho! Que é que tem a ver, eu? Meu negócio é ir pra praia do sono, pro sana, ficar no mato... A mulher olhou pra mim, sabe qual foi a primeira coisa que ela disse: Olha, vai correr na praia, porque é que você não faz uma yoga, um ballet... Me matriculou numa academia só com gente famosa. Aline Moraes na turma, você acredita? Mas eu acho que cada coisa tem um porquê. Essa mulher apareceu na minha vida pra me colocar de volta no ballet, porque dança é o que eu gosto!






EDU - Eu também adoro dançar?






ANA JULIA - É?






EDU - Adoro. Eu danço todo dia, adoro mesmo, sou fanático. Quer dizer, fanático é um modo de dizer, né? Pô, sabe o que é que eu tava lembrando agora? Do dia que a gente se conheceu. VocÊ lembra?






ANA JULIA - Não... é que eu tenho um problema que eu nunca lembro dia que eu conheci as pessoas.






EDU - Que eu sentei no formigueiro...






ANA JULIA - É... deve ter sido mesmo inesquecível.






EDU - QUer um trago?






ANA JULIA - Você acredita que a produtora mandou eu parar de fumar pra eu preservar a minha imagem? Que é que foi?






EDU - Nada, Tô escutando você falar, sua boba.






ANA JULIA – Mas é engraçado porque eu lembro bem de quando eu era pequena.






EDU – Você devia ser linda pequena. Quer dizer, você é mó gata assim grande, mas pequena devia ser toda fofinha.






ANAJULIA - Lembro que eu tinha medo de ser adotada, que meu pai ficava me falando que eu tinha sido achada na lata do lixo. Eu ficava apavorada!






EDU – Ai, tadinha...Mas você acreditava?






ANA JULIA – Ah, mais ou menos, eu acho que não, mas tinha sempre uma dúvidazinha, tipo diabinho da consciência, sabe?






EDU – Pô, se eu te achasse na lata do lixo também ia pegar você pra mim!






ANA JULIA – Poxa, obrigada.






EDU – Cara Ana Julia, to angustiadasso aí com um negócio. Não sei o que eu faço. Sabe quando... sei lá, você conhecesse uma pessoa, essa pessoa te vê pouco, mas toda vez que ela te vê ela te trata com carinho, te dá a maior atenção, sempre te fala a verdade..






Curto silêncio.






ANA JULIA – É... a minha mãe é um pouco assim






EDU – É?






ANA JULIA – É.






EDU - Dança aí pra eu ver! Você deve dançar muito, né?






ANA JULIA – Então vou colocar uma música.






EDU – Não, deixa que eu coloco.






Edu coloca a mesma música que Julia colocou e começa a dançar com a Ana Julia.Pega um cigarro, acende.






EDU – Eu sonhei com você essa noite.






ANA JULIA – Foi comigo seu sonho?






EDU – Aham.






ANA JULIA – Então me conta, adoro sonho!






ANA JULIA – Foi assim, eu tava num campo enorme, verde, muito grande. Nada no horizonte, nada, nada, nada. E tinha só uma arvore. Eu tava deitado embaixo dessa árvore e de repente caiu um negócio em cima de mim. Eu peguei pra ver o que é que era. Era um morango. Aí eu achei estranho, porque morango não dá em árvore e olhei pra cima. Quando eu vi, você tava lá.


ANA JULIA – Em cima da árvore?






EDU – Nua.






ANA JULIA – Nua?






EDU – De penhoar vermelho. e você começou a descer escorregando pela árvore e... foi isso.






ANA JULIA – Só isso?






EDU – Não.






ANA JULIA – Ué? não acabou o sonho?






EDU – Não.






ANA JULIA – O que aconteceu, então?






EDU – Você tirou a roupa pra mim.






ANA JULIA – Como assim, eu tirei a roupa pra você? Que mais que eu fiz?






EDU – Sei lá, alguns chamam de amor.






ANA JULIA – Que sonho mais louco...






EDU – Eu to apaixonado.






ANA JULIA – Ah é? Que coisa boa, Edu, é sempre bom esse negócio de ficar apaixonado.






EDU – É, por uma menina muito importante, muito bonita, muito especial.






ANA JULIA – Ela é sua amiga?






EDU – Não é exatamente minha amiga, mas é amiga da minha amiga. E agora é minha mais nova vizinha. Ana Julia, eu to gostando de você.






Silêncio






EDU – Eu não consigo parar de pensar em você.






Edu acende outro cigarro.






ANA JULIA – Gente, eu nunca soube que você fumava!






EDU – Eu só fumo escondido em casa! Qual a graça de fumar na rua?






ANA JULIA – Mas não está dentro de casa escondido agora.






EDU – Mas você é especial.






ANA JULIA - Olha, Edu, eu acho que a Taísa não vai vir pra casa, acho que eu to perdendo tempo aqui, tem um monte de coisa pra trazer pra cá.










JULIA ENTRA E EXPULSA ANA JULIA E EDU






CENA - JULIA E ALLEGRA


Julia começa a organizar os preparativos para a festa de Taísa. Allegra bate na porta, Julia nda entrar. Allegra entra um pouco baixo astral. Ela está de óculos escuros. Julia se surpreende ao vê-la e vai direto abraçá-la.


JULIA - Amiiiigaaaaaaaaa. (abraça-a) Caraca, caraca! (solta do abraço e olha para Allegra tocando seus cabelos) Ruivaaaaa! (abraça-a novamente) Não acredito! (olha-a mais uma vez e, surpresa, cobre a boca com a mão) Você tá linda! (Levanta os óculos de Allegra) Ai, você tá linda! (Allegra tira os óculos da cabeça, Julia tira da mão dela e apóia na mesa) Amiga, como é que você aparece assim sem avisar? (Allegra passa a mão no cabelo colocando-o para trás da orelha)


ALLEGRA - Ah... eu tava com saudade.


JULIA (abraçando-a mais uma vez) - Ai amiga, tá linda, ruivassa! Senta! (puxa a cadeira para Allegra sentar) Ainda bem que você apareceu, menina, como as coisas são, né? É a energia, menina, a energia cósmica isso. Tô te ligando há duas semanas, feito uma louca tentando falar com você e nada. Eu tô fazendo uma super festa surpresa pra Taísa, super! Ainda bem que você apareceu aqui!


ALLEGRA - É? E quando que é a festa?


JULIA - Hoje! Eu tava aqui já, né louca com as bolas, os brigadeiros, preparativos, tanta coisa esse negócio de preparar festa, uma loucura, uma loucura! Não sabia que cor de balão comprar, se eu comprava de uma cor só, se cmprava colorido... Ai, amiga, que saudade! Que é que aconteceu? Por que você não me atendeu?


ALLEGRA - Ah... deu saudade...


JULIA - Ai, que bom! Você vai me ajudar, então? É hoje, tem que correr.


ALLEGRA (esforçando-se para ao menos esboçar um sorriso fala em baixo tom) - Eu te ajudo.


JULIA - E aí, como é que tá a vida de cantora?


ALLEGRA - Na luta... Mas é bom.


JULIA - Ai, amiga, tô tão feliz, o teatro tá bombando pra mim. Bombando. Eu eo teatro... Tô em cartaz, amiga, tô em cartaz. No Leblon, fazendo uma super peça, uma coisa mais um cool, uma coisa mais contemporânea.


ALLEGRA - Qual o nome?


JULIA - Sem nome, de tão contemporâneo, não tem nem nome, você não faz idéia... Sem nome, assim... em branco.


ALLEGRA - Vou te assistir.


JULIA - Vai, vai sim. É claro que você vai ve assistir! (olha a bolsa de Allegra na poltrona e levanta em direção a ela. Pega-a) Sua bolsa, amiga, onde é que você comprou?


ALLEGRA - Ah, minha mãe me deu.


JULIA - Ai, você e seu estilo, sempre. Linda, não mudou nada. Aliás, não mudou nada... ruiva! Você tá linda.


ALLEGRA - Obrigada.


JULIA - Não consigo mais te imaginar sem ser ruiva.


ALLEGRA - É?


JULIA - Não consigo mais lembrar de você antes de ser ruiva. É como se você tivesse nascido ruiva, amiga, você nasceu pra ser ruiva!


ALLEGRA - Que bom que você gostou, o objetivo era esse...


JULIA - Bom, vamo voltar pra festa. Até porque, esse negócio de produção, a gente não pode perder tempo. Eu tinha pensado numa coisa temática, Ia fazer Disney que a Taísa adora. Você também, amiga, eu sei. Até porque queria uma coisa que colocasse a gente no teatro, porque, afinal, foi onde eu nasci, mas aí eu pensei que ia ficar uma coisa muito restrita, sabe? Acho que seria tirar um pouco a liberdade do ser humanocolocar um tema assim tão fechado. Aí eu resolvi abrir o leque. Fazer uma coisa livre expressão: uma festa cinematográfica. Cada um tem que vir com um figurino inspirado numa personagem de um filme. A gente vai fazer um jogo de adivinhação. A pessoa escolhe uma cena, dramatiza e a galera tem que adivinhar. Não é um máximo?


ALLEGRA - Acho legal.


JULIA - E aí, já tá pensando na sua cena?


ALLEGRA - Tem que pensar com calma.


JULIA - Pensa, mas não pensa com muita calma não porque é hoje, né?


ALLEGRA - TAva com saudade.


JULIA - Tava com saudade, mas telefone... nem pensar...


ALLEGRA - Você também não me ligou.


JULIA - Te liguei nas duas últimas semanas feito uma louca. Mas antes amiga, realmente, não liguei porque eu não tenho mais tempo, minha vida tá uma loucura, corre corre pra lá e pra cá! Eu tô assim, fervendo por dentro. Esses dias mesmo aconteceu uma coisa assim... sensacional. Eu tava fazendo um workshop, reciclagem, né, porque ator é que nem papel, tem que reciclar, aí meu professor falou assim: Olha, Julia,vendo você no palco... você é assim... ele falou alguma coisa, que eu tenho alguma coisa da Cacilda, mas falou... falou de uma forma... de uma forma... inacreditável e eu senti na voz dele que algo de Cacilda Becker há em mim.


ALLEGRA - Ah, amiga, que bom, fico feliz por você.


silêncio


JULIA - MAs e aí, amiga, conta mais.


ALLEGRA - Não, amiga... Tava com saudade. Tava com saudade de rir com você. De escutar suas histórias e ficar rindo.


JULIA - Vamo rir, então.


ALLEGRA - Tô rindo, suas histórias me fazem rir. É... eu terminei com o Bruno?


JULIA - Jura?


silêncio. Allegra faz que sim com a cabeça.


JULIA - Você é linda de qualquer jeito, mas bem que eu vi... tem alguma coisa nessa carinha, que não engana...


silêncio


JULIA - Mas é pra sempre?


ALLEGRA - Não sei... Eu não acredito que o Bruno possa mudar. EU fui até a casa dele e eu tava muito decidida a terminar com ele, mas ele me pegou de surpresa. Ele tava com uma caixinha com as alianças na mão.


JULIA - Aliança? Você é louca? Com a falta de homem que tem aí no mercado?


ALLEGRA - Não tô muito preocupada com isso, na verdade.


JULIA - Tá, mas e aí?


ALLEGRA - E aí é que eu queria estar com ele do jeito que eu imaginava que ele fosse. Mas de uma certa foi bom terminar com ele porque eu parei de cuidar dele e tive que começar a pensar em mim. Aí eu vi quanta coisa que eu deixei pra trás, porque é engraçado isso, as vezes a gente começa um relacionamento e esquece de todo o resto, os amigos... Parece que a gente pega todos os nossos sonhos, nossas carências, nossos afetos e deposita naquela pessoa. E tem uma hora que acaba. E você pega todos aqueles sonhos e aqueles afetos, aquela vida que você tava projetando com aquela pessoa e faz o que? Tem que deixar ir embora. É duro... Olhar e ver uma parte de você indo. Mas as vezes você tem que deixar ir, não tem outro jeito.


JULIA - Mas você também, amiga, não economizou nada, hein! Tinha que depositar tudo, tudo, tudo? Senta aqui.


Allegra senta no colo dela


ALLEGRA - TAva sentindo sua falta, tava sentindo a falta de alguém assim, pra ficar, dar um abraço, tava me sentindo muito sozinha.


JULIA - Amiga, se quiser passar uns tempos aqui em casa... Ana Julia tá vindo pra cá, mas amiga é família mesmo, a gente sempre agrega mais um.


ALLEGRA - Amiga, suas mão são tão bonitas. Você fica falando, elas ficam mexendo! Acho lindo.


Julia ri.


ALLEGRA - É lindo elas fazem assim. (Allegra faz gestos com as mãos)Você tem as mãos lindas, mas não são lindas só visualmente. ELas são bonitas por fora também, mas é que dá a impressão que você não precisa de palavras pra falar sabe, como se você pudesse falar pelas mãos, como se toda essa vida que você tem passasse por elas...


JULIA - É?


ALLEGRA - É.


JULIA - Imagina não precisar mais falar, eu vou inventar um teatro contemporâneozaaaaaasso.


ALLEGRA - Falar com as mãos?


JULIA - Claro, sem nome e sem palavra, sem nome sem palavra! Fudeu, Ganhei o prêmio Shell ontem!


Julia brinca de fazer gestos com as mãos para Allegra


ALLEGRA - Amiga, não perde isso, não.


JULIA - Ai amiga, amei ver você. Dorme aqui hoje?


ALLEGRA - DUrmo sim.


JULIA - ENtão já fica direto. Te empresto um vestido. Escolhe aí.


Allegra levanta e vai em direção a arara.


JULIA - TEm um que vai ficar lindo em você. Esse aqui.


ALLEGRA - Nossa, to morrendo de dor no ombro.


JULIA - Isso é tensão acumulada. Tá vendo? Não pode deixar acumular.


JULIA- Lembrei de você outro dia, tava assistindo a Giovana na novela e ouvi aquela música: shimbalaiê... (cantarola)


cantarolam juntas


JULIA (enquanto vai colocar a musica) - Fiquei lembrando de quando a gente era pirralha que todas iam dormir lá em casa e a gente passava a madrugada inteira conversando...


ALLEGRA - Sua mãe ficava batendo na porta mandando a gente dormir!


JULIA - E a gente passava o final de semana inteiro grudadas, ficava escutando música no meu quarto, o som no máximo, cantando, dançando... Aí comprei o cd, coloquei a música no repeat e fiquei três dias escutando a música e lembrando da gente. Foi assim que eu decidi fazer a festa da Taísa.


Allegra estende a mão pra Julia. Julia dá as mão para Allegra.


ALLEGRA - Quem ficar tonta primeira pede pra parar?


JULIA - E se alguém cair? Paga uma prenda?


ALLEGRA - Aham!


ELas rodam, rodam, rodam, rodam, rodam, até caírem as duas. Elas riem. Um silêncio se faz. Julia faz um carinho no cabelo de Allegra colocando-o para trás da orelha e elas se beijam.


CENA FINAL


Somewhere over the raimbow – encontro de todos paralisados na mesa.


FIM





















































































Um comentário:

  1. Texto delicioso! Gostaria de ver uma peça ou, quem sabe, um filme desse texto. Tô gostando muito do seu blog!

    Gabrielle Farias.

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